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Houve uma época no Brasil em que o ditado “manda quem pode, obedece quem tem juízo” era a regra no mundo político. Nesses tempos, os “coronéis” usavam e abusavam da máquina pública, comportando-se como verdadeiros donos de recursos que, na verdade, pertenciam ao povo.
Quem viveu no período deve lembrar: quando saía um governador ou prefeito, o gestor que assumia costumava encontrar as repartições públicas vazias. Era comum, até mesmo, roubar ou inutilizar equipamentos públicos, apagando os registros de projetos e ações.
Como consequência, os serviços públicos de que a população dependia – saúde, educação, segurança, obras… – acabavam sendo interrompidos, até que a nova gestão conseguisse se organizar. Não havia memória do trabalho da prefeitura ou do governo porque não havia servidor efetivo: tudo era apagado e recomeçado, do zero, entre uma gestão e outra.
Infelizmente, o coronelismo político e os gestores “superpoderosos”, que atuavam buscando vantagens pessoais e trocando favores – cargos, indicações, apadrinhamentos –, podem retornar. A população, por sua vez, sofrerá as consequências: serviços de baixa qualidade, descontinuados entre gestões, executados por profissionais totalmente dependentes do político que os nomeou.
Os deputados e senadores federais estão discutindo, desde o ano passado, um projeto que pode significar esse imenso retrocesso na democracia brasileira. É a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, da Reforma Administrativa.
Os defensores da ideia gostam de dizer que a PEC 32 vai “retirar privilégios” dos servidores públicos (“marajás”), que ganham salários altos demais, além de vários “penduricalhos” – benefícios que deveriam ser extintos. Também se aproveitam de uma crença antiga e bastante difundida na sociedade brasileira: a de que servidor público “não trabalha” e “vive na mamata”.
O curioso é que justamente os cargos com mais benefícios desse tipo – como os militares, os juízes, os procuradores e promotores do Ministério Público, o primeiro escalão da Presidência da República e os próprios parlamentares, que vão votar a PEC 32 – fiquem de fora da mudança.
Se você chegou até aqui neste texto, já sabe a resposta para essa pergunta: aos próprios políticos!
Primeiro, porque a PEC 32 facilita o desligamento de servidores efetivos:
Nos casos em que a demissão é discutida na Justiça, não será mais necessário aguardar a decisão final.
Foi anunciado projeto de lei complementar regulamentando a demissão por "baixo desempenho", o que valeria tanto para os atuais servidores como para os novos. Só que as avaliações por desempenho já são uma realidade no serviço público brasileiro desde 1998, no artigo 37 da Constituição.
A questão, novamente, é: quem avalia o servidor público? Normalmente, um gestor político. Mais uma vez, a autonomia e a independência do profissional ficarão comprometidas por pressões superiores.
Além disso, a PEC 32 quer garantir ao Governo a possibilidade de extinguir cargos e órgãos públicos por meio de decreto. Dessa forma, ele poderia agir, sem necessidade de autorização do Poder Legislativo, para:
Dessa forma, um gestor poderia extinguir entidades como Ibama, ICMBio e Fiocruz, caso não fossem do agrado dele, sem aval dos parlamentares, bastando apenas demonstrar que não haveria impacto financeiro.
Ao contrário do que muitos funcionários efetivos pensam, todos os servidores públicos serão prejudicados.
■ A PEC proíbe o pagamento retroativo de aumentos, inclusive em nível estadual e municipal, ainda que haja espaço no orçamento. Em outras palavras, se o corpo diretivo do órgão não respeitar a data-base da categoria, os servidores sairão perdendo.
■ Essa proposta cria um novo modelo de serviço público no Brasil. As carreiras atuais ficarão, então, obsoletas e não poderão ser relacionadas às novas, o que acaba com a paridade e a integralidade mesmo para quem já tinha esses direitos adquiridos.
■ O objetivo é aproximar o salário do funcionalismo público daquele do mercado. Ou seja, sem aumentos e com a inflação, passados alguns anos, isso significará, na prática, redução de vencimentos.
■ A Reforma também indica que deve ser regulamentada a Lei de Greve para o setor público, o que dificultará as paralisações. Assim, nem protestar pelo salário que foi corroído pela inflação o servidor vai poder ...
■ Pretende-se criar um novo Código de Conduta para o funcionalismo público, que pode prever outras formas de constrangimento e de restrições à atuação do servidor.
Sim, e de muitas formas. Primeiro, a quantidade de concursos públicos deve diminuir absurdamente. Segundo, a maioria das seleções passará a preferir os novos tipos de carreira pública sem estabilidade, que são as seguintes:
Contratos de duração indeterminada: esses servidores não terão estabilidade. Ingressam por concurso público, mas poderão ser demitidos a qualquer momento.
Contrato temporário: também sem estabilidade, esse tipo de contratação via CLT será feita por meio de seleção simplificada. Pode suprir demandas eventuais, como greves.
Vínculo de experiência: etapa do concurso público, com a possibilidade de adquirir estabilidade após três anos nessa condição. Contudo, parte dos servidores pode ser dispensada após esse período
Além disso, os políticos podem continuar nomeando livremente para cargos de liderança e assessoramento, que equivalem aos atuais “cargos comissionados”.
Isso tudo porque a Reforma Administrativa vai extinguir o Regime Jurídico Único (RJU). Ou seja, vai ser o fim da relação estatutária como regra na relação entre aquele que ocupa o cargo (servidor) e o ente público, tanto na administração direta quanto nas autarquias e fundações.
Restará apenas poucas carreiras típicas de Estado: servidores que terão aposentadoria e estabilidade como os atuais e vão ingressar por meio de concurso público. Entre elas: diplomacia, advocacia e defensoria pública, magistratura, tributária, segurança pública e outras 11.
Assim, a proposta de Reforma Administrativa institucionaliza o bico no Estado, aponta para a privatização desregulada de serviços públicos, amplia a ingerência política na gestão e “premia” o grosso das categorias de servidores à frente do combate à pandemia com o fim da estabilidade.
Esta última, vale lembrar, instrumento de proteção do cargo público e da sociedade contra o arbítrio do poder político ou privado.Bráulio Santiago Cerqueira, mestre em Economia, auditor federal do Tesouro Nacional e presidente da associação da categoria (confira aqui o artigo completo)
Também a Nota Técnica 69/2021 da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal, aponta o seguinte:
“…a PEC 32/2020 apresenta diversos efeitos com impactos fiscais adversos, tais como aumento da corrupção, facilitação da captura do Estado por agentes privados e redução da eficiência do setor público em virtude da desestruturação das organizações.
Por sua vez, os efeitos previstos< de redução de despesas são limitados, especialmente no caso da União. Assim, estimamos que a PEC 32/2020, de forma agregada, deverá piorar a situação fiscal da União, seja por aumento das despesas ou por redução das receitas.”
“Ah, mas o estado brasileiro está inchado!”
Em 2015, a carga tributária no Brasil era de 35,6%, enquanto a média entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 34%.
Além disso, de 1995 a 2016, os vínculos públicos primeiros cresceram 2,8% enquanto o crescimento do setor privado foi de 3,4%.
“Tem servidor público demais no Brasil...”
Da população ocupada brasileira, 12,1% estão no serviço público – a média da OCDE é de 21,3%.
Suécia (28,1%), Bélgica (21,5%), Canadá (20,4%) e França (19,8%), que têm população com qualidade de vida muito superior à nossa, possuem bem mais servidores públicos.
A cada 100 brasileiros, há 5,3 servidores públicos para atendê-los (na OCDE, essa taxa fica em torno de 11%).
“Servidor público ganha muito, é marajá!”
A remuneração média federal é de R$ 8,1 mil; a estadual, aproximadamente R$ 5 mil; e a municipal, cerca de R$ 3 mil. A média salarial privada é R$ 2,4 mil, não muito distante da média municipal.
Vale notar que, dos 10 milhões de servidores do Brasil, 6 milhões estão em municípios, 3 milhões em estados e 1,7 milhão no serviço público federal.
Além disso, o setor privado consegue manter os baixos salários devido à alta rotatividade de empregados.
“Todo mundo privatiza porque o serviço melhora.”
Entre os países membros da OCDE, nos últimos anos, mais de 800 entidades privatizadas foram reestatizadas. Alguns serviços, simplesmente, não correspondem à lógica do lucro e da remuneração de acionistas.
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Questione as mentiras que espalham sobre o serviço público
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